domingo, 16 de junho de 2013

O Abismo - Raul Rodrigues Neto

Olá Caros Cursistas, após a escolha das situações de aprendizagem nas postagens anteriores, gostaria de compartilhar com todos um texto de minha autoria. Boa leitura a todos!


“ Se olhares demoradamente para dentro do abismo, o abismo olhará para dentro de ti”. - FRIEDRICH NIETZSCHE





O abismo

No quarteirão do cemitério os postes estavam apagados, tudo ao redor
era luz, exceto o quarteirão do cemitério. Sem hesitar, a passos
calmos subi na calçada e comecei a caminhar pelo escuro caminho sem
me preocupar com o breu que me envolvia corpo e mente.
Aqueles eram dias difíceis em que eu não conseguia me encontrar
dentro de mim, desespero e culpa eram os meus dogmas.
Ao chegar ao meio do quarteirão, nas proximidades do portão, sinto
que não estava mais em um lugar comum. Sozinho o portão abre-se e de
dentro da morada da morte uma densa névoa se espalhava envolvendo-me.
Entro no cemitério.
O cheiro de putrefação emanava das árvores, do chão, das lápides. As
estátuas de anjos, Maria, Jesus e até um Buda começaram a se mover.
Todos me apontavam uma direção, um caminho a ser seguido através dos
túmulos.
Um coro distante de crianças lamuriantes podia ser ouvido.
A névoa continuava cada vez mais densa, a cada passo dado mais eu me
aprofundava no universo de Anúbis e Hades.
Túmulos pobres, lápides enormes, cruzes emparelhadas e mausoléus
abandonados. A diversidade de Perpétuas e Epitáfios era
impressionante, representantes de todas as classes socias ali
estavam. Todos haviam se encontrado com o mal comum.
A temperatura caíra, eu seguia o som do silêncio soar a cada suspiro
e sensação.
Fui seguindo os sinais das estátuas, até chegar a um túmulo que
ficava no fim de tudo. Era belo, porém, sombrio. Ao lado da
sepultura havia a escultura de um anjo, na mão direita ele carregava
uma harpa na esquerda uma espada que ele apontava para os céus.
Vultos em volta davam a impressão que estavam enterrando naquele
momento um defunto. Mas conforme me aproximei é que pude aqueles
vultos reconhecer.
Eram eles! Não podia ser, mas era!
Meus olhos se encheram de lágrimas, a boca ficou seca, as pernas
tremiam e o coração batia em descompasso quando eu os vi.
Aqueles que eu deixei morrer, aqueles que até hoje tenho pesadelos
por não ter impedido suas mortes.
Estavam todos quietos, pareciam ignorar minha presença, seus olhares
estavam fixos para a foto da pessoa que ali enterrada estava.
Cheguei perto da lápide e li o impossível, pois era meu nome que
estava gravado no epitáfio, minha foto estava no túmulo com uma data
de falecimento não muito distante.
O anjo do meu sepulcro começou a se mover, com movimentos leves ele
entrega a harpa para mim e com brutalidade crava sua espada em meu
peito. Sinto o sangue em minha boca.
Vou ao chão!
Quando acordo estava eu do outro lado do quarteirão do cemitério, os
postes estavam acesos, corri até o portão: estava trancado. Esforcei-
me para enxergar algo lá dentro, não havia névoa. A lua, clara,
iluminava todo o local, as estátuas estavam paradas do jeito que
deveriam estar. Não havia ferimento em meu peito.
Olho no relógio havia passado apenas um minuto desde o momento em
que pus os pés no quarteirão até atravessá-lo. Mas o que passei lá
dentro parecia ter se arrastado por horas.
Nos últimos dois anos, desde aquela noite, volto eu todas as noites
para o quarteirão do cemitério. Em busca de respostas, mas, os
postes nunca estão apagados, não há nevoa e as estátuas não mais se
movem.
Segundo a visão que tive, a data de minha morte se aproxima, mas não
me preocupo com isso, o fim é inevitável, ninguém sabe o que há
depois do abismo. Estou preparado para tudo.
Já não me encaixo mais a este mundo.


Raul Rodrigues Neto - 2006

Um comentário:

  1. Parabéns Raul! Belo texto que você escreveu, gostei muito do suspense que ele causou.Você realmente escreve muito bem.

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